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Mais um caixote para atirar para lá a tralha que anda para aqui perdida.
Guieeelaaaa! grita ela da varanda, espreitando pelas grades.
Guieeelaaa, aqui! e faz o gesto com a mão.
A Guiela (que sou eu, bem entendido) ali fica, a fazer palhaçada, atrás de palhaçada, só para ouvir gargalhadas deliciosas e gritinhos de satisfação da miúda.
Houve dias, durante o confinamento, em que a gargalhada da júlia era o meu antidepressivo, tomado a meio da tarde, o meu energizante para continuar, depois, agarrada aos meus afazeres de professora em ensino à distância.
Fez dois anos, a júlia, na semana passada. Nesse dia só deu maco (o Marco, bem entendido).
Em estando as miúdas, só dá maía e guimá (maria e guiomar, bem entendido).
E as borboletas boas na minha barriga? tantas!
Está calor, dizes tu, o suor escorrendo pela testa.
Está calor, digo eu, abrindo os braços.
Tenho frio, queixo-me, e encolho-me num auto abraço.
Estás doente, dizes tu, e levas o dedo à cabeça, como se chamasses doida.
A vigilância de um exame é aquele momento em que queres fazer tudo, tudo o que houver para fazer, quanto mais trabalho melhor: escrever no quadro a informação de prova, fazer a chamada, sentá-los, preencher as folhas todas que houver para preencher, assinar tudo (se possível mais do que uma vez), verificar os cabeçalhos 223 vezes, ir entregar as folhas de prova, eu sei lá, quanto mais houver para fazer, melhor.
Mas, depois, vais vigiar com um colega que quer fazer isso tudo, sozinho....
Medes a sala em passos, só não medes em palmos porque é chato andar de cócoras, contas os papeis colados com cuspo no teto, lês todas as etiquetas de mobiliário, ficas a ver as moscas... e mesmo assim, os ponteiros não mexem.
a mais miúda entrega-se às artes, é mesmo assim que ela diz, vou para as minhas artes.
das artes dela saem "coisas", obras variadas, artefactos cuja inutilidade eu atesto, mas que ela me impede de deitar fora: podem ser almofadinhas de apertar, pinturas estranhas (há duas semanas desenhou e pintou um olho que à vista armada eu juraria que foi feito por um artista a sério), bonecas e bonecos que recorta e para os quais faz um enxoval completo, que também recorta, pois claro, sapatinhos, cintinhos, vestidinhos, toalhinhas de praia, protetorzinhos solares... não, não posso deitar nada fora.
das artes dela também saem obras literárias. Algumas pessoas dirão que quem sai aos seus não é de genebra. Escreveu uma prosa poética que me deixou babadíssima. Não, não posso partilhar, ou corro o risco de ser precocemente colocada num lar, onde me sujeito a apanhar covid.
Ficamos grávidas e começamos a ler tudo sobre gravidez, parto etc.
Damos à luz e continuamos a ler tudo e queremos partilhar tudo e tudo, até criamos blogs e estamos sempre on nos instagrams desta vida.
Depois, eles crescem e há algo que nos impede de continuar a partilhar - a ideia de que aquilo que se passa com eles a partir do momento em que tomam consciência de si próprios é só deles.
Mas a vontade de partilhar, de querer saber como fazem os outros, não vai embora num passe de magia.
Faz-me falta ler, saber como fazem os outros pais e mães, como lidam com as birras dos treze e dos catorze. E não há. Paramos de partilhar.
Não está errado, mas devia haver uma forma de continuarmos ligados uns aos outros enquanto pais nesta fase tão "dramática" que é a adolescência.
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