Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Mais um caixote para atirar para lá a tralha que anda para aqui perdida.
É sabido que a adolescência traz afastamento das crias.
Sabêmo-lo na teoria, aguardamos a sua chegada enquanto pensamos com os nossos botões que daremos conta dele, easy peasy ou piners, como dizia o outro.
O filho da mãe do afastamento, que às vezes até tem ali um vago cheiro de ódio misturado com desprezo, chega e cai-nos tudo.
Damos por nós a apanhar os cacos das nossas ideias pré-concebidas, argumentando que é preciso relativizar, mas caramba! isto mói.
Bem a propósito, na unidade 4 "my family", o manual do 3º ano vem com um áudio chamado "Modern families". Quatro crianças apresentam as suas famílias, os miúdos têm de as identificar. Uma família dita tradiciona, uma birracial, uma família asiática alargada e, por último, uma constituída por duas mulheres e dois filhos.
Na primeira turma da manhã, quando inicio a conversa, pergunto-lhes se percebem porque é que o áudio se chama famílias modernas. As respostas são extraordinárias e nenhuma aponta para os elementos que constituem os diferentes grupos ou laços entre eles. São modernas porque "estão vestidas à moda", porque moram em cidades, porque são "chinesas".
Chamo a colega titular e peço-lhe que me ajude a conduzir a conversa. Eu não tenho nenhum objetivo em concreto, acima de tudo receio levantar questões que possam ser mal interpretadas e quero apenas ouvir o que eles têm a dizer. Deixo que seja a colega a fazer as "despesas". Nenhuma criança daquela sala revela incómodo ou estranheza por haver ali um casal de lésbicas ou outro constituído por duas pessoas diferentes na cor.
Na turma da tarde, já quase no fim do tempo, faço a mesma pergunta. Não há respostas, mas vejo espanto e incrudelidade: teacher, ali naquela família há uma mother e uma stepmother, como é que isso é possível? e levanta os braços, com ar de quem diz "duas mulheres não funciona, ou funciona?"
Começam a falar uns com os outros, não querem que eu ouça, insinuam coisas que não ousam dizer, como se fossem asneiras ou palavrões. "isso que dizer que elas são.... " e pára, fica ali com a palavra suspensa. Lésbicas, acrescento eu, e vejo-os encolherem-se. A teacher disse "lésbicas"!
E lanço a pergunta: porque não?
Diz uma: uma senhora pode ter tido um marido, mas depois ele morreu ou separaram-se e depois ela arranjou uma pessoa que é uma senhora e decidem criar os filhos." Claro, digo eu. E olho para o relógio. Acabou o tempo, deixo-os com aquela ideia. Mando-os arrumar, despeço-me e saio.
Venho para casa a pensar como dois grupos de alunos conseguem ser tão diferentes.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.