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Eu podia dizer que não tenho tempo para me coçar, mas era mentira, porque tenho, e uso-o para fazer isso, coçar-me ou ir arrumar as almofadas dos sofás pela milésima vez ou apanhar a roupa que secou e arrumar a cozinha do lanche que daqui a pouco são horas de jantar.

Passo os dias sentada ao computador, com um olho no #estudaemcasa, outro na mais nova e um terceiro que vamos fazer de conta que existe (não o do c*) e vou ver a mais velha que montou a escola no quarto e emerge para brincar um bocadinho ou meter comida na boca. Passo os dias a responder a mails e a ver fotos manhosas de páginas dos manuais (que não pedi, mas já que os pais se disponibilizaram a fazer eu não consigo ignorar), a contabilizar quem está a dar notícias e quem não está, para enviar mais mails para responder depois.

Nos intervalos dos mails tenho ideias para apresentar a matéria aos miúdos em modo à distância, mas depois descubro que não consigo fazê-lo porque não domino as ferramentas necessárias para o fazer. E quando descubro quais são e tento descobrir como usá-las o meu computador entra em modo arrastadeira e não saio do sítio. E o pior é à noite: passo-a toda a "explorar" a dita aplicação, o cérebro não desliga e acordo ainda mais cansada.

Ponto giro destas semanas que foram as primeiras do ensino à distância em modo oficial (porque na verdade estamos assim desde 16 de março): falar com os putos nos meetings desta internet fora. Depois de umas quantas sessões online já dominam netiquette e portam-se muito bem. Ontem quase me vinham as lágrimas aos olhos ao ver uma turma espalhada pelo éran, todos de micros desligados à espera. E quando lhes dei ordem de soltura e eles puderam falar uns com os outros! A loucura.   

E ontem à tardinha, os nossos coordenadores foram aos grupos de trabalho do whatsapp dar uma de relações públicas, foram agradecer o empenho e blá blá blá de todos, desejando um bom fim de semana de descanso, que é merecido. Descanso? onde? Se às oito da manhã já eu estou na cozinha a pensar no trabalho que ainda me falta fazer para pôr a próxima semana de aulas a andar?

Se passei a noite toda a explorar o flipgrid a a tentar fazer screencasting com o sreencastify? 

(não sabem o que é? estudassem!)

Hoje é 25 de Abril. Daqui a pouco ponho a Grândola a tocar, choro mais um bocadinho e logo à tarde furo o confinamento para ir dar uma volta com duas pessoas que não são do meu agregado familiar. Não hei-de apanhar covid e os putos hão-de agradecer não ter trabalho de inglês, se for caso disso. 

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publicado às 08:36


21 comentários

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Anónimo a 04.05.2020

Ponto de vista de uma professora, acho interessante e gostei de ler!
Os professores trabalham desde casa e ganham o seu vencimento na totalidade...
Aos pais impõem-se, sobretudo de crianças mais novas sem autonomia para estar a assistir às "aulas", um esforço ciclópico: são obrigados, e serão obrigados mesmo após o desconfinamento, a estar em casa com os filhos e auferem pouco mais do que 50% do seu salário. Acham justo isto?
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Anónimo a 11.05.2020

Os professores trabalham desde casa e ganham o mesmo. Uau. Que bela afirmação. Os professores trabalham desde casa, com computadores que foram pagos por si mesmos, com net paga por si mesmos, sem pestanejar nem questionar o empréstimo que estão a fazer ao Ministério da Educação. Os professores trabalham o dobro durante a semana, para responder aos seus alunos de forma quase individual, e trabalham ao fim de semana para se inteirarem das tecnologias que precisam, sem aviso prévio, de dominar. Os professores têm filhos, que passam muitas vezes para segundo plano porque os professores estão a dar auxilio aos filhos dos outros.

Vamos a contas: despesa de, pelo menos, um computador + despesa da internet + horas extra de trabalho durante a semana + horas extra de trabalho ao fim de semana, horário noturno e feriados.

Tem razão: não é justo.

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