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Mais um caixote para atirar para lá a tralha que anda para aqui perdida.
Sonhamos com os mortos para matarmos saudades. Será?
Esta semana sonhei com o manel, na semana passada sonhei com o meu tio, sonho com alguma frequência com ele. Aqui há uns meses sonhei com a minha tia. Faz amanhã um ano que partiu.
Aqui em casa tenho pedacinhos dela, que me fazem sorrir e me deixam a casa mais colorida. Curiosamente, são coisas que ela tinha guardadas. Gostava de janelas fechadas e de divisões na penumbra, a minha tia. Escolho pensar que queria manter vivas as cores, não fossem elas ser comidas pelo sol.
à tarde, pouco antes de o teu caixão descer à terra, dois senhores estavam sentados nas cadeiras junto à porta. Tinham um ar solene, ali sentados, olhando em frente, na tua direção.
Perguntei quem eram e disseram-me que eram os dois senhores do café onde ias pela manhã tomar a tua bica.
Quando sairam, a mão de um deles levantou-se, num aceno breve, num adeus discreto, e eu achei aquilo bonito.
A minha tia do coração deixou-nos no dia 11 deste mês.
Ao décimo nono dia do mês de abril de 2022, dois anos e picos depois do início da pandemia, os adultos desta casa testaram positivo, com sintomas, ao Covid19.
Nessa noite, a nossa gata deu sinais de morte e deixou-nos de madrugada.
A minha Pata. A nossa Pata.
O Jardim da Isabel foi a segunda casa das minhas filhas nos seus primeiros anos de vida.
As minhas filhas são o que são em parte porque andaram no Jardim da Isabel.
Olhando para trás, eu tenho quase a certeza de ter agradecido à Isabel o que fez pelas minhas miúdas. Se não o fiz, agora é tarde.
A Isabel morreu.
Sonho muitas vezes contigo.
Entraste lá em casa como o Pinto. Para mim, criança com cinco anitos, era um nome estranho. Eras o pintovski, aquele do bigode enroladinho. Aparecias ao serão, bebias um copo com outros que também andavam por lá, como o Baptista e sei que havia mais, mas não me lembro dos nomes.
Passaste a fazer parte das festas de anos, daquelas à moda antiga, sem temas e sem decoração. Só com pessoas, comida e muita conversa para os adultos e brincadeira para as crianças. Lembro-me de uma passagem de ano que foi a loucura. Às tantas da madrugada fomos todos levar-te a casa pela vila acima. Querias porque querias meter-te no teu carro azul, cheio de pinta, acho que era um Datsun, mas não tenho a certeza, querias por tudo ir de carro. Mas os adultos estavam todos bem bebidos, não que eu tivesse consciência disso, e obrigaram-te a ir a pé. Fomos todos.
Depois, tu, que ias ficar para tio, conheceste a minha tia, aquela que também ia ficar para tia, a minha tia preferida, e passaste a tio Pinto. Foi muito fácil essa passagem.
Sonho contigo muitas vezes. Com boina preta, com bigode, sem bigode e de chapéu de palha.
Não sabia que me ia custar tanto pensar que já não existes.
Cá estamos, naquela correria típica dos dias que passam e não deixam marcas exceto as rugas no corpo e os cabelos brancos.
Ainda nenhum de nós apanhou covid, mas faz dois meses que morreu o sogro.
O período está a mais de meio e as miúdas já terminaram a primeira ronda de testes.
Neste momento, ambas são frequentadoras mais ou menos assíduas de clínicas de psicologia (achávamos nós que estávamos a fazer um trabalho minimamente decente e vai-se a ver são crianças marafadas).
A mr é proprietária, muito contra nossa vontade, de um telemóvel (ou mantinha-se a nerd da turma, excluída da vida social que agora se faz quase exclusivamente online), a gr. herdou o dumbphone da irmã e já nos pode telefonar se precisar de alguma coisa.
O pai cá de casa está em vias de perda substancial de peso e está mais bonito.
O paterfamilias vai fazer anos, mas não podemos ir vê-lo porque estamos confinados.
Não pude ir ver o Ivo Canelas porque estamos confinados.
E confinados para tudo e ao mesmo tempo para nada vamos ficar.
Numa das primeiras noites lá em baixo sonhei com o meu tio. Estava doente, mas vivo. Tão vivo que consegui abraçá-lo. Trazia o tronco nu, como se andasse ele na praia e usava o seu chapéu de palha.
O tio pinto morreu na semana anterior à Páscoa. Foi triste. Foi um estágio para mim, a primeira a chegar à minha tia. De repente, dou por mim a dar opiniões na escolha de caixões e de pacotes de funerais, a procurar roupas e fotografias, a decidir coisas que a tia estava incapaz de decidir. Foi triste e surreal. Foi um estágio.
foi o que ela me disse, depois de me fazer confirmar que eu estava triste pela ti ci.
"É a vida e a morte, mãe".
tanto tempo sem pôr aqui as minhas letras e regresso para falar de morte.
nas férias de natal, tivemos a notícia da morte de uma pessoa que andou connosco na escola, um tipo da minha idade, um médico "hotshot", daqueles que na secundária tirava 20 a tudo (exceto educação física) e que já sabia o que ia ser quando fosse grande aos 4 ou 5 anos.
Morreu. Num segundo estava vivo, no segundo seguinte estava caído no chão, morto. A este tipo, da minha idade, já tinha morrido um irmão, atropelado,quando criança. A mãe destes dois filhos perdeu, portanto, dois filhos.
A gente evita pensar nisso, bola para a frente, que adianta ficar a pensar na arbitrariedade disto tudo? Nada! É andar, é andar, que atrás vêm outros.
Ontem, soubemos via telefone, da morte de outro tipo da nossa idade. É andar, é andar, que adianta ficar a pensar que não vale a pena nada?
Mas pôrra! Pôrra! Pôrra!
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